FILE 2016 - Venha Passar do Limite! - Entrevista com Ricardo Barreto
[caption id="attachment_678" align="aligncenter" width="628"] Ricardo Barreto em estilo Cartoon (Por Tom Dutra)[/caption]
Tom Dutra - O FILE desse ano nos convida para “passar do limite”, fale um pouco sobre isso.
Ricardo Barreto - Veja só, há 17 anos estamos fazendo o FILE, então o que nós notamos... Primeiro, o pessoal da arte contemporânea não consegue muito absorver a arte e tecnologia, então, a gente fica sempre assim, meio “à margem”, mas está acontecendo um fenômeno muito interessante: As pessoas de arte e tecnologia estão fazendo arte contemporânea e as pessoas de arte contemporânea estão fazendo arte e tecnologia, está havendo uma convergência. Esse ano nós trouxemos uma arte contemporânea pra dentro do FILE, que é um festival de arte eletrônica, mas não vemos nenhum problema em trazer a arte contemporânea pra cá. Nós trouxemos um trabalho, o TAPE, que se trata de uma obra outdoor, mas, fizemos de tal maneira, que você entrasse nela pela galeria, onde ficam as demais obras indoor. E aí tivemos que abrir a vitrine, o que também corroborou com essa ideia “Venha Passar do Limite”. A frase pode soar meio estranha, alguém pode pensar “será que o cara vai se drogar”, e não é nada disso! É muito mais sobre você estar explorando novos encaminhamentos e também essa questão do Indoor e o Outdoor acontecerem simultaneamente!
TD - O FILE está acontecendo desde o dia 11 de julho e uma das obras mais procuradas é a Be Boy Be Girl...
RB - Be Boy Be Girl é interessante porque mexe com essa questão do gênero... Não que seja uma propaganda pra você virar homem ou virar mulher, não, mas como você pode se perceber de outras maneiras!
[caption id="attachment_687" align="alignnone" width="979"] "Be boy be girl" (Fonte: www.beboybegirl.com)[/caption]
TD - Sim, quando eu vi essa proposta eu pensei exatamente isso! Acho que todos tem essa curiosidade, como seria ser alguém que não eu mesmo...
RB - Claro! Aliás, isso foi abordado no filme “Quero ser John Malkovich” em que a história mostrava pessoas que entravam na mente desse ator e conseguiam se sentir no corpo dele, sentindo como era a sua realidade, quer fosse homem ou mulher! Havia esse estranhamento causou o maior reboliço na época em que saiu nos cinemas...
TD - Todos os anos eu encontro obras que me surpreendem por ser algo mostrado de maneira totalmente diferente dos anos anteriores, a tendência é sempre inovar?
RB - Houve uma época em que a grande jogada era a Web-Art, depois a Net-Art, vieram então os tablets, os óculos 3D, agora no Be Boy Be Girl não é só 3D, é 4D, porque você tem cheiro, você tem tato, calor... Então cada vez nós temos essas inovações na área da tecnologia e os artistas se apropriam disso, inventam obras fazendo uso dessas novas tecnologias de ponta.
TD - Desde a primeira vez em que eu visitei o FILE, anos atrás, sempre me chamou a atenção o seguinte fato: Diferente da maioria das exposições onde não podemos nem chegar muito perto da obra, no FILE a maior parte da exposição é interativa. Você considera ser esse o principal motivo para o sucesso do FILE?
RB - Olha, eu acho que são vários motivos. Muitas pessoas me perguntam o porquê do FILE ter tanto sucesso, sucesso de público, de mídia... Eu acho que a primeira coisa é: Cada vez mais as pessoas passaram para o mundo digital! Todo mundo hoje tem seu celular, todo mundo hoje quer jogar, agora mesmo está tendo essa febre com o novo joguinho (Pokemon Go), então tudo isso vai corroborando com o evento. Outra coisa é o fato de que muita gente que começou a perceber que podem vir ao FILE e interagir, e muitas dessas pessoas não estão acostumadas em galerias, museus, porque isso é meio elitizado, e aqui não, desde o início eu e a Paula (Perissinoto) sempre nos propusemos a fazer um evento que não fosse elitizado, que fosse pra todo mundo, de verdade. Então eu acho que essa forma que o FILE desde o início se comportou e se propôs foi uma coisa que agregou muito sabe.
[caption id="attachment_695" align="alignnone" width="1200"] Metamorphy é uma obra de arte interativa, visual e sonora, que nos convida a tocar e explorar a profundidade de um véu semitransparente. [/caption]
TD - Gosto de encontrar aqui misturado com a tecnologia de ponta, desenhos feitos a mão, como às vezes vejo nas animações e também, por exemplo, na obra de uma das edições passadas, onde as imagens clássicas de “Alice no País das Maravilhas” se moviam quando posicionávamos um Tablet em sua frente!
RB - Aquilo era uma grande inovação, foram os japoneses que inventaram aquilo, porque os outdoors no futuro serão todos desse jeito! Os caras ainda nem fazem e a gente já viu aqui! É como o Kinect, por exemplo, o FILE mostrou algo que seria depois o Kinect! Muitas empresas pegam as suas programações de artistas que inventam um software ou um hardware e ganham milhões em cima!
TD - Com certeza! Acredito que os trabalhos do FILE contribuam para a criação de softwares e jogos inovadores, como por exemplo, a febre do momento, o Pokémon GO.
RB - O grande segredo do Pokémon é o fato de ser globalizado. Em qualquer lugar do mundo você pode jogar, e o legal é que em lugares por vezes muito exóticos, como o cemitério, por exemplo.
TD - Sim! Fico impressionado com isso, e fazem de maneira tão bem feita que se você for em um cemitério encontra os pokémons “fantasmas”! (risos)
RB - Sim, é porque esse mundo digital é um outro mundo paralelo ao nosso! Cada vez mais a gente vai conviver com esse mundo paralelo, cada vez haverão essas interfaces em todos os aplicativos... Acabei de fazer uma viagem e tudo era feito no Waze! E olha que esse era um lugar inóspito, eu não teria chegado sem essa tecnologia! E aí você tem um mapa digital relacionado com o mundo físico e consegue navegar agora de uma maneira incrível! E tudo robotizado! E isso é no mundo inteiro! Você pode estar em qualquer lugar do mundo que o aplicativo estará lá te auxiliando...
TD - Eu tenho uma amiga em Israel que por eu ter comentado algo sobre uma frase dela no facebook, pensou que eu havia aprendido hebraico! (risos)
RB - Ah, chegará um tempo em você vai estar falando aqui uma língua, chinês, eu vou estar falando japonês, e nossos celulares traduzirão simultaneamente! Chinês em japonês e japonês em chinês! E já existe coisas desse tipo! Você vai pro Japão, em Tóquio muitos endereços são traduzidos em inglês, mas em outras regiões não! Então você fica totalmente perdido, mas, passa o celular pela escrita japonesa e ele vai lendo pra você e dizendo o significado. Essa evolução é inacreditável! Já vimos isso aparecendo em Star Trek! O cara falava e o aparelho ia traduzindo... Claro, sempre em inglês né. (risos)
TD - Ah, sim! Como os Jetsons, que conseguiram prever a vídeo conferência!
RB - É porque o ser humano tem essa capacidade de projetar as coisas do futuro pelas ficções! E isso foi que a gente sacou e talvez seja mais um dos motivos do sucesso do FILE. Logo quando começamos com o File, nós percebemos que a linguagem algorítmica, essa linguagem de computação, é comum entre todos os aplicativos, todos os computadores e todas as redes! Cada um com suas linguagens específicas, mas, essa linguagem é que possibilita a gente agora entender que essa separação entre pintura, escultura, arquitetura, música... Ela só se dar aqui no nosso plano! No plano digital não existe essa separação, entende? Há muito tempo o FILE é um aninhamento de festivais! É por isso que tem Animação, Vídeo-Arte, Games, várias outras coisas que às vezes nós paramos de colocar porque são fundidas a outras! Eu gostaria muito de fazer coisas com arquitetura, moda, sabe? Nós temos esses projetos! O mundo está sendo modificado por esses aplicativos, por esses softwares... Veja só, vinte anos atrás, a gente não tinha email! Vinte anos atrás! E essa garotada que nasce acha que sempre existiu!
TD - Pois é, algo que não existia nem faz tanto tempo, como o celular, hoje é imprescindível!
RB - É porque tudo está conectado lá! A namorada, o namorado, os amigos, as informações pra escola, todas as redes sociais (que vão cada vez mais se multiplicando), está tudo lá! Isso é uma coisa que não tem retorno! Cada vez mais a gente vai conviver, então, tudo isso corrobora com o nosso evento.
[caption id="attachment_701" align="alignleft" width="202"] Cowboyland (David Stumpf) é um dos destaques do FILE ANIMA+[/caption]
TD - Gosto muito das animações que vejo no FILE, vi aqui dois dos meus curtas favoritos, Oktapodi e Distraxion! Você recomenda algum curta esse ano?
RB - Como conversamos, o FILE é um aninhamento de festivais e pra cada um deles existe um curador específico, nesse caso é a Raquel Fukuda, que trabalha na Birdo, uma grande empresa de animação. Ela trabalha há mais de 8 anos conosco, e esse evento cada vez vem crescendo mais. Eu gostei muito desse que é o da Flauta Mágica! É online é uma animação interativa! São duas histórias paralelas, um rapaz que pega um carro e sofre um acidente, e aí você não sabe bem se ele está sonhando ou se está em delírio, e aí começa a se mixar com a ópera A Flauta Mágica de Mozart, com todos os personagens, e ele começa a conviver com isso! É tudo interativo, está em inglês... Muitas coisas não conseguimos traduzir, mas mesmo que a pessoa não saiba inglês, está muito fácil de entender! Nós temos muita preocupação em fazer algo me comunique! Esse é um dos que nós destacamos porque nós achamos muito legal! E tem um vídeo que nós destacamos também, de dois rapazes japoneses que é incrível, é todo em cima do street view, e eles vão fazendo um vídeo de várias partes do mundo, com tudo acontecendo uma tremenda velocidade. Essa visão Global do que esses meios possibilitam, então você pode inventar coisas agora globais também!
TD - Para alguém que só tenha a oportunidade de uma visita rápida, quais são as obras essenciais em sua opinião?
RB - Primeiro ver as instalações, essas em que vêm os artistas, tem várias obras aqui que são essenciais... Por exemplo, essas de animatrônica! É a primeira vez que trazemos, e queremos trazer mais trabalhos desse tipo, porque essas obras animatrônicas são espécies de “robôs” que são feitos pro cinema e tem a ver com animação!
[caption id="attachment_716" align="alignright" width="316"] Robinson (Ting-Tong Chang)[/caption]
Só que é uma animação robótica! E essa que é o Robinson, tem todo um preparo robótico, um preparo da fisionomia hiper-realista, que é no caso assustadora, e todas as expressões que ele vai ter! Então ele coloca uma matriz de expressões e randomicamente elas vão se combinando e criando frases de expressões emocionais. Mas o que é interessante é como a robótica está começando a dominar as expressões emocionais! Não a emoção, mas, as expressões, que provavelmente os robôs do Futuro terão!
TD - Quem imaginaria que um robô conseguiria ter uma expressão tão humana, como vimos em “O Homem Bicentenário”...
RB - É essa brincadeira, do robô querer se tornar humano... Como a gente vê também em Star Trek, tinha um robô que queria se tornar humano, copiando os humanos, tentando contar piadas... Ou em “O Exterminador do Futuro”, o robô tentava imitar a risada humana, mas, não conseguia direito... Mas isso hoje está ultrapassado, porque quando vemos essas obras animatrônicas, percebemos que imitam perfeitamente, dá até medo! (risos)
TD - O que se esperar desses robôs no futuro, não é?
RB - Ah, a próxima revolução vai ser a robótica... Essas coisas vão conviver conosco! Todo mundo vai ter um robô para auxiliar! No teu escritório, na tua cozinha, na tua casa... Tipo um mordomo! Essas coisas vão evoluindo, todo mundo vai precisar disso, assim como precisamos hoje de um celular! Imagina se hoje o celular deixasse de existir! Pirava todo mundo, empresas iriam travar, pessoas iriam à falência, seria um caos.
TD - E o FILE sempre acompanhando essa evolução!
RB - Sim! Mas o nosso aspecto não é mostrar a tecnologia... É mostrar como a arte e os artistas se apropriam dessas tecnologias de ponta e desenvolvem uma estética, uma poética, com inventam alguma coisa com isso, voltada para a arte! É esse o nosso interesse. Nós não somos divulgadores de tecnologia. Nós fazermos um mix entre Tecnologia e Arte! Entre uma coisa muito antiga que é a arte com uma tecnologia de ponta.
TD - Isso é muito bom, porque infelizmente ainda existe esse preconceito de “quem é de humanas não pode gostar de exatas” ou “quem é de exatas não vai fazer arte”...
RB - Tudo isso já acabou... Essa separação das disciplinas que aconteceram lá no século 18 tem cada vez menos sentido e ao mesmo tempo a universidade ainda continua com essas divisões, entende? Você talvez tivesse que ter isso, mas o aluno teria que fazer um curso e dependendo das escolhas, eles fossem passando por elas e não ficassem só nelas... Talvez em algumas áreas isso seja necessário, por exemplo, um dentista precisa sair do curso um dentista, mas tem muitos casos em que o cara poderia transitar e inventar novas profissões, inventar novas coisas, por essa transversalidade das disciplinas! E isso é uma coisa que vai acontecer!
***
Bom, gente, essa foi a entrevista com o grande Ricardo Barreto! Espero que tenham gostado tanto quanto eu gostei! Deixo aqui meu agradecimento à ele e aos queridos Simon, Raisa e Aline, todos muito atenciosos e simpáticos!
ATMV, até mais ver!
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